quinta-feira, outubro 15, 2009

A Tempestade da Louca


Pego no isqueiro e acendo mais um cigarro. O penúltimo do terceiro maço de hoje. A noite quente convida à aventura, mas o meu espírito preferia aventurar-se a caminhar no meio de um temporal.
O sino da igreja, lá bem ao longe, toca as doze badaladas. De olhos fechados, saboreio o último bafo do cigarro, e sinto uma brisa suave e fresca que surpreende no meio do ar quente.
A Lua cheia parece sentir o calor que me rodeia pela sua cor, hoje bem mais bronzeada do que de costume.
Caminho para o interior da casa que os anos envelheceram, e fecho a porta. Procuro algo forte pela cozinha. Há falta de melhor, pego na primeira garrafa de vinho que encontro e bebo.
O som do telefone ecoa pela cozinha. Largo a garrafa meio vazia e dirijo-me contrariada para o atender.
Tal como eu temia, os poucos amigos que me restam querem que vá sair. Querem aproveitar a madrugada quente que se adivinha. De nada me vale recusar. Eles já estão à entrada de minha casa à espera.
Não me preocupo em mudar de roupa ou pentear o cabelo. Saio de casa sem me olhar ao espelho e deixo propositadamente as chaves lá dentro.
No exterior, encontro uma rapariga morena e baixa, com os seus caracóis sempre perfeitos, um rapaz de estatura média, de sardas, que condizem com o seu cabelo quase ruivo, e outro, mais alto, de cabelo preto, pálido, mas sempre com um ar amistoso, que põe qualquer um à vontade.
Ao pressentirem a minha presença, percebo que me olham um tanto ou quanto assombrados, mas nenhum diz nada. Possivelmente assustaram-se com a minha aparência. Grandes olheiras, olhos semicerrados, com uma palidez tremenda.
Entramos os quatro no pequeno e antigo carro preto da minha amiga. Perguntam-me se estou bem. Eu abano a cabeça afirmativamente. Não abro a boca, nem sequer para perguntar como estão. Não por má educação, mas simplesmente porque não consigo pensar. Estou num estado parecido com o de transe. Estou estática, o meu olhar está fixo em algo que não vejo. As expressões preocupadas dos meus amigos não me incomodam.
A noite que se previa de Verão começa a arrefecer. A Lua encalorada serve-se de nuvens escuras para se cobrir do frio e desaparece. Um vento gélido conduz a chuva até ao carro onde estamos.
Ouço-os dizer admirados que o melhor é voltarmos para casa pois parece que vem aí algum temporal. E parece que é verdade.
A estrada de terra começa a ficar alagada e as árvores dançam ao som da melodia que o vento murmura. A chuva, cada vez mais forte, bate nos vidros do carro e começa já a ouvir-se. E eu começo a despertar do meu transe.
Afasto-os e saio do carro.
Paro no meio da estrada a sentir a chuva e o vento gelados. Olho para o céu e abro os braços. Sinto-me completamente feliz, no meio da chuva que já me encharcou totalmente. Sorrio. E danço, fazendo companhia às árvores que se balançam cada vez mais.
E, finalmente, vejo um relâmpago ao longe. A ele segue-se, poucos segundos depois, um trovão tão forte que faz estremecer as velhas janelas da minha casa. Sinto-me satisfeita e acato o conselho dos meus amigos para ir para casa, tal como eles o fazem.
Ao dirigir-me à porta, recordo que não tenho chaves. Resolvo então sentar-me no patamar e assistir ao mais belo espectáculo, pelo qual não tenho de pagar.


Inês Moreira Santos

sábado, outubro 03, 2009